quarta-feira, dezembro 14, 2005

Velhos Amigos

Há um mês atrás ele ainda conversava sozinho. Acordava e se dava bom dia, se dava boa tarde, se dava boa noite, agradecia o almoço que ele mesmo preparava e quando a casa estava desarrumada era com ele que ele ia se queixar. O habito era antigo, vinha desde a infância, e grande parte de sua formação e base foi construída pelos conselhos que ele mesmo se deu no decorrer da vida. Nunca brigava consigo. Discussões existiam, é claro. Mas eram superadas rapidamente por um sorriso diante do espelho ou mesmo pela piada antiga que sempre que ele contava, ele mesmo ria. Era seu amigo. E cultivava por si o mesmo carinho e amor que teria por um parente, caso tivesse um. Por isso achou tão estranho quando da noite para o dia deixou de falar.
Não houve briga ou qualquer outra coisa, ele simplesmente foi dormir e na manhã seguinte acordou sem se dar bom dia. No almoço também ficou em silêncio e quando voltou da rua parecia estar mais calado ainda. Desde então não se falou mais e não quis sequer se perguntar o motivo.
Por irônia ou castigo, nesse mês de silêncio o silêncio da casa acabou por atormentá-lo mais que o seu. Só então percebeu o quanto eram calados os móveis, os quadros e até as fotos, outrora tão sorridentes, agora estavam silenciosas como as estátuas e, também como as estátuas, pareciam estar sempre lhe observando. Conseqüência foi que ele também passou a observar mais as fotos e pôde perceber que na casa só haviam fotos suas, tiradas por si mesmo. Umas antigas, outras recentes, em algumas sorrindo, noutras mais sério, mas somente fotos dele, tiradas por ele, que agora olhavam pra ele e, como ele, em absoluto silêncio. Obvio que sabia sobre o próprio hábito de tirar fotos de si mesmo. No passado era capaz de passar um dia tirando as fotos, e depois passar outros tantos dias comentando consigo mesmo o resultado final. Mas agora, todas as fotos lhe pareciam tristes e melancólicas, e não representavam nada além de alguém sozinho impresso num papel.
Sentiu vergonha das fotos, e só não as escondeu para que ninguém as visse, porque um mês antes ele mesmo havia se dito que não havia ninguém além dele. Acreditava em tudo que se dizia, e por isso não levou em conta que talvez o dito fosse outra mentira que ele estivesse contando pra si e assim parou de conversar consigo, deixou de gostar das fotos e descobriu a solidão.
Melhor. Ainda que equivocado, agora estava livre pra encontrar outro amigo quer não fosse ele mesmo.