domingo, março 27, 2005

MÚSICA

Ouve o barulho que vem da janela,
Escuta cada grito, cada ruído, gemido,
Percebe o som do vento tranqüilo
E deixa ele varrer o estrondoso silêncio da solidão.

Abre os ouvidos pr’esse mundo desconhecido,
Que os olhos não vão tocar,
Mas os tímpanos gravarão em cada detalhe,
Sabendo ser cada um deles uma nota da melodia,
composta por sons de vidas
Trazidos no vento.

Então,
Seja na forma de tempestade ou de brisa,
Respira esse ar vívido
Deixa que te circule nas entranhas,
E quando jogar pra fora, respira alto.
Assim, junto da tua porção de gás carbônico,
Vai vir também um suspiro sinfônico
Que diluído num acorde harmônico,
Se perderá em algum compasso,
Eternamente tocado,
Pela silenciosa orquestra universal.

sábado, março 12, 2005

FERVURA


Mesmo me queimando nas tuas borbulhas,
Continuo a beber cada gota dessa água fervente,
Fervida no fogo alto, alimentado por tua amargura,
Que, embora não tenha matado, me deixou bastante doente.

Dessa boca que beijei outrora, carrego apenas bolhas ardentes
Que só fizeram foi massacrar minha língua.
Que hoje já nem mais grita e nem xinga
Só lambe os restos daquele amor decadente.

Mas se o ardor da queimadura ainda massacra,
Por outro lado já me adaptei a fervura,
E, não sabendo a cura, convivo com essa ressaca.

Digo até que esse passado meu deu bom presente,
Pois agora, lambendo um'outra língua recente,
Vejo que tua tortura só deixou minha boca mais quente.

domingo, março 06, 2005

Diálogo Idiota

- Há quantos anos estamos aqui
Nesse mesmo quarto, nessa mesma vida
Vazia, quando o que na verdade o que eu mais queria
Era ter de volta aquela tua juventude perdida?

- Então porque ainda não foi? Porque ainda não se libertou de mim e seguiu pra onde bem quis?

- E queria que eu foste pra onde preso a você
Como quem se prende numa cela com grades redondas,
Cercadas de carne por todos os lados?

- Lamenta essa vida que seguimos juntos, não é? Mas diga?
Quem te carregou? Quem te manteve em pé para que visse
As luxurias que agora você diz não ter visto?
Quem se sacrificou por cada vontade sua?

- De que adianta. Se essa minha vontade de vida
Você ameaça com sua existência perecível.

- O que houve com a sua esperança!
Costumava se achar eterno
E agora teme se ver abandonado?
Não era eu o monte de carne,
O simples corpo que você estava apenas usando?

- E não é exatamente isso?
Um corpo finito que vai se evaporar com o tempo.

- Te evaporo junto. Não esquece que você está em mim.

- Por esse instante. Hoje estou aqui, amanhã estou ali../

- (INTERROMPE) E um dia: jaz.

- (IRÔNICA) Bobagem, acredito na vida eterna.
Já você, não pode se vangloriar do mesmo.

- (IRRITADO) Só está aqui, porque está em mim. Só é, porque eu sou. Porque penso, logo tenho de existir em pensamento.

- (RI DEBOCHADA) Pretensão de um corpo doente...

- Ingratidão de uma alma deslumbrada...


E seguiram brigando, brigando... Até que o corpo, doente e cansado, caiu desalmado. E a alma seguiu descorporada, talvez livre, mas antes olhou para trás, com uma lágrima de saudade suspensa no olhar... Estava novamente só!