terça-feira, setembro 28, 2004

ERÓTICA

Se deita
E o beija
E se excita
Com ele que dorme.
Mas ele não fode,
Se irrita.
E pensa pra si com sarcasmo e cinismo:
“Aos setenta, querida, não existe mais erotismo.”.

quarta-feira, setembro 15, 2004

A CONTA

Mascava um peixe num restaurante com a filha
Até que uma espinha lhe parou na garganta.
Como não queria chamar a atenção da criança
Sem alarde, grunhiu um urro de expulsar catarro.
Nada.
Lá continuava a dita
E quanto mais o pai tossia
Mais a danada espetava.
Era uma espinha predestinada.
Ficou mais aflito.
Deu gole n'água e nada.
Era branco mas ficou pálido.
Vermelho esquálido, azul e roxo,
Se debatendo no chão, torto.
- Chame um doutor –
Gritou alguém que passava.
Mas um médico ali não tinha.
Era mais um ponto pra espinha!
O manual de socorros
Veio em tom de brincadeira
Remetendo à Manuel Bandeira:
- Este pobre vive hora derradeira!
- Perfuração esofágica!
- Com infiltração no pneumotórax!
- Quantos anos tem teu pai?
- Trinta e três.
- Quantos?
- Trinta e três.
- A idade de Cristo
Gritou de longe um freguês
Quebrando o próprio gelo.
Mas de fato,
Um homem foi crucificado pela espinha
E à seus pés, ao invés de Maria,
Estava sua filha.
- Quantos anos o pai da menina tinha?
- Trinta e três... – disse o garçom
E penalizado, tomou todo cuidado:
- Cheque, dinheiro ou cartão?
Sem saber que o saldo
Já estava pago.

quarta-feira, setembro 01, 2004

SUBDIVIDE-SE

--
Um átimo
Subdividi o estático
Formando assim
O Tempo.

I
Curvilíneo oxidante
Que oxida a matéria
Revertendo-a em seu primeiro elemento:
O Átomo.

II
Isola o tempo num instante,
Corta-lhe os milésimos,
Supri-lhe os centésimo,
Ignora-lhe os segundos
E terás sua parte indivisível,
Aquela que movimenta o átomo
E quando repetida se faz mãe do infinito.
Onde tudo vive e há, mas nada acontece.
O barulhento silêncio, onde
Só se escuta a primeira nota de um grito.
O intervalo suspensivo d’uma válvula mitral,
Interrompendo um susto
De um desconhecido abismo escondido
Na curva retilínea de uma esquina temporal:
O Átimo.
III
Força motriz do vento,
Que em forma de tempo
Faz a erosão do átomo.
Átomo versus Átimo.
IV
Do atrito se fazem as faíscas
Que liberam a essência da existência.
Luminosas labaredas
Fragmentos retorcidos aprisionados
Pelo muro dos instantes consecutivos.
É nesse cárcere onde se desenvolve a vida:
Vivenciada no vácuo do interior de um grande átomo
Re-subdividido pela sucessiva agressão constante
De indivisíveis
Átimos.
IV-V-VI-III-II-I-II-III--III-II-I-II-III-IV-V-VI