segunda-feira, agosto 29, 2005

Até Amanhã

Não era, mas parecia um adolescente enciumado:
- Promete que não vai esquecer de mim?
Ela prometeu sem entender o porque da pergunta.
- E promete que vai me deixar fazer parte da sua vida? Sempre!
Não tinha como ser diferente!
- Não esquece que eu te amo.
E como ela poderia esquecer?
- Te amo muito, muito! - disse sorrindo pra ver se enganava choro.
Ela pensando que era assim que as pessoas fortes faziam quando estavam tristes, também sorriu:
- Você se separou da mamãe, mas eu continuo sendo sua filha, pai. - disse com a sua voz de menina, enquanto descia do carro. - Isso não muda.
E se despediram com a certeza de estarem juntos.

domingo, agosto 28, 2005

Primeiro Encontro

Se não tivesse pego a mania de chamar a mulher do vizinho de querida os dois não estariam juntos até hoje. Era sem maldade. Pelo contrário, Durval dizia o “querida” até com certo respeito, justamente para evitar um possível mal entendido entre ele e o marido da dita. Entretanto, em doze anos de casamento, jamais havia chamado Noêmia, sua esposa, de querida, e mesmo as outras mulheres que atravessaram-lhe a vida, fossem namoradas, parentes ou amigas, jamais haviam recebido o tal tratamento. Exceção feita a vizinha.
O primeiro “querida” já veio no primeiro encontro. Entrava no elevador quando viu a nova moradora chegando com as malas. Mais por costume que por cavalheirismo, segurou a porta do elevador.
— Muito obrigado. - Agradeceu a vizinha, cordial.
- Por nada, querida. - Não, não foi uma cantada, muito menos uma demonstração de informalidade, pelo contrario. Durval, coincidentemente ou não, foi seco, frio e desprovido de floreios.
Desde então o tratamento se tornou praxe e, estivesse ele com a esposa ou ela com o marido, o “querida” era sempre dito no mesmo tom e ritmo, e anos mais tarde seria definido por Noêmia como “a reverência” que lhe “cortava a honra”.
-Que reverência?! - Levantou da cama assustado.
- Essa forma absurda que você trata a morena do 601.
- Morena do 601?!
- Nossa vizinha, Durval! Fala, por que você chama a ela de querida?
Durval coçou os olhos ainda dormentes, sabia que aquela pergunta, ainda sem reposta pra ele, viria um dia, como de fato veio.
- Ora, Noêmia, sei lá. Chamo de querida porque não sei o nome. - o que era verdade.
- Mentira. Você nunca chama ninguém de querida. Nem eu que sou sua mulher.
- É porque o seu nome eu sei. Você não acha que eu tenho algo com a vizinha, acha?
Noêmia sabia que não. Mas explicou que mesmo assim aquela era uma situação humilhante pra ela e lhe pediu, implorou pro Durval nunca mais chamar a vizinha de querida.
- Tá prometido, Noêmia. Amanhã mesmo eu pergunto o nome dela e acabo com a polêmica. Satisfeita?
Não foi no dia seguinte, mas uma semana depois, numa coincidência provocada, os quatro envolvidos se viram ali, juntos no mesmo elevador. Durval e Noêmia, a vizinha e o marido. Noêmia foi a primeira a falar no que a vizinha lhe respondeu de pronto:
- Bom dia. - repetindo a frase da outra sendo, no entanto, mais simpática.
Chegara a vez de Durval:
- Bom dia... - por costume ia concluir com o "querida", mas lembrou-se da promessa que até ali não vinha sendo cumprida. - Como é mesmo seu nome? - disse surpreso com o estranho nó na garganta que lhe entrecortou a fala.
- Rosane. O nome dela é Rosane. - respondeu o marido da vizinha, quase que num desabafo.
Pronto. O constrangimento estava pra sempre desfeito. E o que é melhor: pelo marido da outra que finalmente se fez presente como homem, vibrou Noêmia consigo. Com certeza ele também sentia vergonha parecida com a dela, talvez até maior, pois no caso dele se tratava de um estranho chamando a esposa de querida e os homens são mais recalcados com essas coisas, porém são mais recalcados ainda quanto ao assumirem suas fraquezas, sabia ela, e talvez por isso o marido tenha se omitido por tanto tempo. Não importava, antes tarde do que nunca o problema estava resolvido. De agora em diante os dois casais poderiam iniciar uma convivência harmoniosa de vizinhos... Entre o sexto e o sétimo andar Noêmia pensou que ela e Durval quase não tinham amigos e talvez fosse a oportunidade, agora que não existiam mais constrangimentos, de serem até, por que não, amigos.
O elevador parou. Durval e a mulher desembarcaram seguidos pela vizinha e o marido. Durval culpou a angina pelo desconforto que sentia e, com sucesso, se esforçou para parecer natural, tanto que tomou a iniciativa na hora da despedida. Primeiro o marido:
- Tchau. - depois Rosane. - Tchau, Rosane. - pronto, assunto encerrado, pensou.
Poderia ter encerrado mesmo, mas a voz baixinha, quase tímida, se fez frorte o suficiente para ser entendida determinando assim um novo começo.
- Meu nome é Rosane, mas se você quiser pode me chamar de querida.
E mesmo que ele não quisesse já não era mais possível chamá-la de outra forma.

domingo, agosto 21, 2005

...saudade...

Foi se, então sem ter pra onde ir,
Por sentir que estaria bem onde estivesse
Contanto que não fosse ali,
Onde as rosas já não mais florescem
E sem flores, sem espinhos
Viveria sem galhos, sem raiz.

Foi brotar noutro jardim,
Mas sofreu ao perceber
Que em todos seria assim,
Pois a roseira que se orgulhava em ser
Não passava de um arbusto
Preso a um vaso de xaxim.

sábado, agosto 13, 2005

SE PUDER...

Puxa-me dos dedos algo que eu tenha a dizer,
Reflita-me nos olhos a imagem perdida
No intervalo da piscada
Onde olhava-me no espelho
Dessa alma imaginaria
Incomodada com o peso
De um corpo limitado.

Controla-me os movimentos e sentidos
E deixa que os sentimentos
Sejam apenas fluidos
E não escaras doloras
Perfurando minha carne.

Mantenha-me o pescoço erguido
Quando minhas verdades se afogarem em mentiras
E na hora de assinar minha penitência,
Não peço que trate minha alma com clemência,
Mas sim que me perdoe o corpo
Me mantendo o brio nos olhos,
Pois sabes na tua sabedoria divina,
Que é difícil ser humano,
Manter-se humano, morrer humano,
Sem cair no engano de ter sido torpe.

Testa-me o espirito em matéria,
Também quero eu saber o quanto ele se sublima
Diante das imposições da carne...
E se eu viver,
Um dia, ainda em vida,
Deixa-me compreender o significado dessa sensação ambigua
De ser alma sublime e ao mesmo tempo, nesse meio tempo,
Ter fim.