sábado, abril 30, 2005

LAÇOS FEMININOS

No meio do parto,
A parteira puxou a criança,
Perguntou pra mãe se ela a queria,
E a mulher não sentiu nada,
Que não um latente desejo de recusar a cria.

O fez. Como, eu não sei.

Mas sei que a menina se fez,
E desafiando sua sina,
O abandono numa esquina qualquer,
Encontrou uma mãe que a queria
- E, mesmo sendo mãe postiça,
Valia por duas de sangue. -
E a criança, não conhecendo tais laços,
Se deixou envolver pelos braços da mulher
Que pra sempre a chamaria de filha.

Assim começou sua família.

Vieram irmãos, pais, depois padrastos,
E na rotina do dia a dia
Foi crescendo a menina,
Que, sem perceber, num golpe de vista,
Se deitava na sala do parto.
Agora num hospital,
Mas que lembrava-lhe aquele velho quarto,
De um passado invertido,
Visto na saída de um ventre
Nem um pouco maternal.

Uma nova criança nascia.

E entrelaçadas pela corrente sangüínea,
As duas corrigiram aquele esquecido momento triste,
Pois essa outra filha que vinha,
Vinha certa de estar sendo bem vinda.

sábado, abril 23, 2005

FOLHETIM

Não preciso de você agora,
Mas acontece que naquele minuto sem hora,
Em que você me ligou,
O filme da vida rodou
Na cinemateca do meu passado não revelado.

Nessa reprise o mocinho não busca mais uma velha parceira
Que lhe pari-ou-parta um filho numa bebedeira,
E lhe diga depois que tudo que disse antes
Foram verdades erradas, sub influciadas,
Por um montão de besteiras.

Não me importa mais esse roteiro escrito ao acaso,
Onde não existe final feliz,
A não ser os gritos, os tapas e os filhos,
Que, por sorte, ecoam agora,
Como se fossem clichês premeditados
Entrelaçando a trama de uma falsa estória,
Escrita num romance folhetinesco,
Incendiado por um amor farsesco,
Que se desgasta em meia hora.

quinta-feira, abril 07, 2005

OBVIAMENTE QUE É!

Disseram, a mim, outro dia,
que a vida não é colorida.
O dito não passa de um verdadeiro absurdo,
Pois todos sabemos que o homem
Nasce vermelho, casa de branco e morre de luto.

Meu Camarada.

Eu tenho um velho camarada,
Que nunca deixou de apertar minha mão,
Nem naqueles tempos de que nada lembro,
Nem nos dias maçantes da juventude,
E ainda agora
Sinto a mão deste meu querido amigo
A me bater na cabeça
Me chamar de menino
Me explicar as coisas que não entendia,
Mas que hoje enfrento sem medo
Por que esse velho me disse como o fazer.

Todas as manhãs me ligava,
Me buscava pra não me ver só,
Fazia das minhas cada dor sua,
E mesmo quando eram dores fúteis,
Era ele quem me ensinava a cura.

Nunca chorou. Sorriu bastante.
E quando eu me lamentava,
Este meu velho camarada
Firmava o azul dos olhos nesses meus castanhos,
E me olhando como quem olha um estranho,
Dizia que aquelas eram lágrimas úteis,
Pois, não só amoleciam a dureza da alma ali castigada,
Mas como também continham toda a beleza
Que só existe nas lágrimas bem choradas.

Depois me enxugava o rosto
E apertava minha mão
Como quem segura um filho que cai,
E, eu, por ser um filho de algum do seus filhos,
O sentia maior que meu pai.

Assim seguiram as horas daqueles dias seguros,
E agora, aqui, mesmo que distante,
Longe desse meu camarada brilhante,
Sinto sua presença a cada instante,
Pois foi ele um dia quem me disse
Que, enquanto ele caminhava pro seu destino,
Eu apenas começava o meu caminho,
E que o amigo do peito está no peito,
Nem sempre ao alcance da mão.

Então, vou seguindo nessa noite intranqüila,
Escutando sua voz
Como se fosse um sussurro me guiando no escuro,
Dizendo que não é só a morte que leva os homens,
Mas vida também nos leva
E é por ela que devemos nos deixar carregar,

Eu deixo.
Mas não me esqueço de também carregar
Esse meu camarada comigo.