quarta-feira, dezembro 15, 2004

VALEU A PENA

Quando responder a pergunta que te fiz,
Já terei saído deste piso frio que pisamos
Pelos poucos anos em que passamos
Os agora intitulados
“Dias ruins de nossas vidas.”

Foram boas aquelas tardes tristes
Com cheiro de despedida
Onde a espera da partida
Se perdia dentre os gritos,
Suplicas de dois aflitos
Despencando de um precipício
Na esperança de cair no amor.

Mas foram as pedras que nos atiramos
As mesmas que nos receberam,
E nelas jazem restos de corações partidos,
Almas despeçadas,
Mas que hão de alimentar a doce Terra
Donde florescerão nossos tão queridos filhos,
Que lerão
No epitáfio do jazigo de nosso amor
A resposta do porque de tanta dor:

“O unico sentimento que vale,
Ainda que findável.
Descanse em paz,
Eternas saudades.”.


sábado, dezembro 04, 2004

EDUCATIVO

Se não se pode fugir,
Quando assim você o quer,
Há de então cuspir
Pra ver se dessa raça
Se desobriga a lamber os pés!

Grita a eles certos palavrões,
Arrepia-lhes a espinha da vergonha,
Pra que esta pureza tacanha,
Não se transforme na arma ferrenha,
De vossa hipocrisia medonha.

Então abocanha estas palavras sujas
Que te cuspo na cara,
E silencia tua docilidade estúpida,
Filha da irmã de uma puta,
Que não se curva ao pau,
Mas por medo dele,
Cultiva uma penosa corcunda
Que lhe trinca os ossos quando se curva
Para lamber os pés da boa conduta.

Salva-te!

Lamente teu passado doce,
Percebendo que a verdadeira doçura
É a força do carinho sincero,
Daquele que diz as verdades duras.

domingo, novembro 28, 2004

ANCESTRAIS

Percebo agora que fui amado num tempo distante
Quando alguém que morria amou o seu filho
De forma tão forte que acabou por amar a mim,
Já que dentre os muitos filhos que vieram depois -
Frutos daquele filho, daquele homem e de outros filhos -
Um deles sou eu.

Naquele outro milênio, onde nem sei o que houve,
Um homem perpetuou seu amor e seus genes,
E cá estou, ainda desfrutando daquele amor eterno.
Então, percebo porque sou amado ao me olhar no espelho,
Pois eu, sem o ser, amo os meus, sem os ver,
E sem saber faço o mesmo que aquele homem.

Agora, sei que ele ainda está aqui,
Amando a mim e a meus filhos, que também são dele
E esse amor nos sustenta
Nos faz seguir amados
Como sempre fomos,
Como sempre seremos,
Graças aos olhos que há milênios
Se cruzam no espelho
Pra não se sentirem mais só.

domingo, novembro 14, 2004

MELANCOLIA

Hoje não tenho tanto pra falar e
Nem as palavras fúteis que me sobresaem sob as unhas
Descrevrem o homem escondido na alcunha
- Ah, essa irônica rima no fim do meu nome –
Que um dia escolheram pra mim.

Hoje que não estou, como nunca estive,
Rodeado de gente e ninguém me ouve,
Posso dizer que sou louco
por achar que a vida, mesmo me dando tanto,
Acabou por me dar pouco.

Mas calo esse reflexo lamentativo,
E só o confesso neste verso convulsivo
Por saber que o grito não será ouvido.

Enxugo-me os olhos,
E levanto sem ter onde ir...
Meu trabalho é aqui, só,
Pensando. Parado.
.
.
Mas o fim dos meus versos se perderam em mim,
Num textinho que foi deletado
Que me falava tanto, mas o destino o fez perdido
E é assim que me sinto.
Por isso grito...
Para ouvidos vazios, mas
Grito! Grito!!! Grito!!!!!!!!!!!!!

Sem ser mais que uma exclamação...
Cujo eco só reverbera em mim
E me faz gritar mais
No silêncio ensurdecedor de mim mesmo
Por meus olhos serem apenas janelas
Com vista pra esse eco assustador da minha própria existencia
Refletida no vazio do texto pobre,
Da exclamação simbólica guardada em mim
E que não quer sair mais... é assim que sou:
A prisão de mim mesmo.
Um ouvido direito cuja companhia é o esquerdo.
Sozinhos nos seus próprios pensamentos
Indignados por ouvir meus lamentos
Mediocres nos meus versejos
E amedrontados pelo que digo e não vejo.
É isso o que sou, agora.

terça-feira, novembro 02, 2004

SOBRE NADA


O que é o nada
Senão um espaço em branco?..
Se bem que,
Poderia ser o nada uma tela preta?..

O nada é ambos!
Contanto que separados,
Vistos em tempos alternados,
Sendo assim:
O nada um todo branco
Ou um nada todo preto.
Cada um que escolha um
E que enxergue do seu jeito.

Mas, na ânsia pra se ver o Nada,
O leigo mistura o preto com o branco
E num golpe ótico, do nada,
Acaba por só perceber o Todo
Que são os nadas sobrepostos,
Interagindo como forças opostas
Onde a busca é a absorção do Todo
Revertido à seu Nada original.

Da fusão bicromática
Surge a possibilidade de formas não estáticas
Com regras não claras
Sempre deformadas pelo movimento constante
Das duas energias conflitantes:
o In e o Yang, como descreveu um chinês;
Cuja representação mais simplista
É o tabuleiro do xadrez.

Daí, então, que tudo veio do nada
E por isso que os Nadas estão em tudo.
Em cada um, em cada forma existe um pouco de nada,
A força que move a vida é a mesma que desestabiliza o nada:
Seja o nada escuro que sofreu um golpe de luz,
Seja um nada claro que se enganou com um jogo de sombras.
...
..
.
Nós?
Nada, é claro.

sexta-feira, outubro 22, 2004

COVARDIA

Um dia ainda largo tudo!
Jogo meus sonhos prum lado,
Minha vista pra outro,
Pego a estrada e sigo sem rumo.

Um dia ainda largo todo o Mundo
Pra se casar comigo.
Terei eu mesmo como único amigo.
E nesse dia, não vai ter mulher nenhuma pra me chamar de vagabundo,
Nem vagabundo nenhum pra me chamar de careta,
E nenhum careta vai me rotular pra doidão.

Um dia ainda dobro uma esquina
E minha vida emburaca num trilho
E me apresso pra viver meu futuro
Afasto de mim meus problemas
E me enterro num mundo fechado,
Envolto em madeira por todos os lados,
E fecho meus olhos pro mundo,
Achando que fiz a minha parte,
Na certeza de ter sido um covarde.


sábado, outubro 16, 2004

ANSIEDADE

Não calculo mais quantas noites
Espero aquilo que nunca vem.

Esperanças internas me assaltam o pensamento,
Desarticulam meu funcionamento
E ando transbordado em pressa,
Sem saber de que.

Circulo a sala
E o tempo segue na cadencia
Da batida incessante:
Tum-tum-tum
Penso em algo que era pra ter feito,
Não fiz. Talvez não fosse importante.
Só quero lembrar o q’era
Que eu pensava há um segundo atrás,
Mas meu pensamento se perdeu num fio
E sigo esperando nem sei mais o que,
Será bom ou ruim, não sei.
Me encolho pra esquentar a barriga, mas
A boca do estomago mastiga
O frio pavoroso do mau presságio.

Espero passar, tenso, e não passa. Ando,
Circulando os passos que antes circulavam a sala,
Suspiro, respiro, transpiro
E lembro daquele primeiro lampejo esperançoso,
Donde estava o pensamento bom, de algo bom,
Que tinha pequena chance de acontecer pra mim,
Caso não me aconteça nada de ruim, antes.
Quem chegar primeiro fica.
Mas chegará alguém?

Penso e calculo um cálculo inútil
E me invento uma resposta
Que só morre no segundo seguinte
Quando já nem sei mais a pergunta.
E essa meada sem fio ou ponta
Me amarra no tempo
Sem registro ou referência
Que não seja o relógio
Me latejando o peito:

Tum-tum-tum...

domingo, outubro 03, 2004

Minha Querida...

Quando, anos mais tarde, for ler esta carta
Não esqueça de conferir a assinatura
Que te escrevi a baixo.

Transparente e em forma de gota,
Assino esse testemunho
Com lágrima que brotou de um rascunho
Escrito na alma e talhado em meu peito,
Que agora te entrego em carta.

E quando, naquele dia distante, for me ler,
Não esqueça de lembrar que já fui como você
E me amei, como te amas e também vivi
Achando não ia ter de perecer.

Quando fores me ler no alvorecer da vida,
Lembre-se do amor que me bateu no peito
Não só no meu como no de tantos homens
Que agora deitam neste mesmo leito,
O tempo.

Lembra de enxergar aquela fagulha de lágrima
Agora, amarelada. E lembra que ali ela está
Porque um homem pensava nos de antes
E amando o passado
Esse homem se curvou ao futuro
Que agora minha assinatura saúda.

Então quando me ler,
Não esquece que com esta carta me defendo
Pois nela me resta o eu.
E nela te dou o meu sou,
Pra você, agora, que eu fui.

Mas guarda no canto da tua cabeceira,
E lembra que a ti estarei sempre,
Não importa o peso e o fardo,
Estarei, mais que em letras, com a alma,
Com ela estarei do teu lado.
Sempre que o fardo se faça pesado.

Saberá, ao leres esse pequeno documento,
Que te escrevo agora com um pingo de lamento
Pois sei que nesse momento, não sou eu quem está o lendo,
Mas estou aqui, nessa carta.
Pra dizer que a força que me guiou pra este hoje,
Te serve neste presente, que chamo amanhã.

E quando chegares no fim,
E pensar que não há mais ontem,
Nem hoje, nem carta...
Lembra que também vivi, também sofri
E sempre sorri.
E sorria!:)
Pois somos assim: perenes, viventes e fortes.
E foi com força e com amor que me fiz
e me tornei tudo que sou:
Seu pai.
Mesmo se não o sendo agora, sou!
Você é! Você está aí!
E eu estou cá:
No final dessa carta
E pra sempre em ti!

Não esqueça,
Minha querida.



terça-feira, setembro 28, 2004

ERÓTICA

Se deita
E o beija
E se excita
Com ele que dorme.
Mas ele não fode,
Se irrita.
E pensa pra si com sarcasmo e cinismo:
“Aos setenta, querida, não existe mais erotismo.”.

quarta-feira, setembro 15, 2004

A CONTA

Mascava um peixe num restaurante com a filha
Até que uma espinha lhe parou na garganta.
Como não queria chamar a atenção da criança
Sem alarde, grunhiu um urro de expulsar catarro.
Nada.
Lá continuava a dita
E quanto mais o pai tossia
Mais a danada espetava.
Era uma espinha predestinada.
Ficou mais aflito.
Deu gole n'água e nada.
Era branco mas ficou pálido.
Vermelho esquálido, azul e roxo,
Se debatendo no chão, torto.
- Chame um doutor –
Gritou alguém que passava.
Mas um médico ali não tinha.
Era mais um ponto pra espinha!
O manual de socorros
Veio em tom de brincadeira
Remetendo à Manuel Bandeira:
- Este pobre vive hora derradeira!
- Perfuração esofágica!
- Com infiltração no pneumotórax!
- Quantos anos tem teu pai?
- Trinta e três.
- Quantos?
- Trinta e três.
- A idade de Cristo
Gritou de longe um freguês
Quebrando o próprio gelo.
Mas de fato,
Um homem foi crucificado pela espinha
E à seus pés, ao invés de Maria,
Estava sua filha.
- Quantos anos o pai da menina tinha?
- Trinta e três... – disse o garçom
E penalizado, tomou todo cuidado:
- Cheque, dinheiro ou cartão?
Sem saber que o saldo
Já estava pago.

quarta-feira, setembro 01, 2004

SUBDIVIDE-SE

--
Um átimo
Subdividi o estático
Formando assim
O Tempo.

I
Curvilíneo oxidante
Que oxida a matéria
Revertendo-a em seu primeiro elemento:
O Átomo.

II
Isola o tempo num instante,
Corta-lhe os milésimos,
Supri-lhe os centésimo,
Ignora-lhe os segundos
E terás sua parte indivisível,
Aquela que movimenta o átomo
E quando repetida se faz mãe do infinito.
Onde tudo vive e há, mas nada acontece.
O barulhento silêncio, onde
Só se escuta a primeira nota de um grito.
O intervalo suspensivo d’uma válvula mitral,
Interrompendo um susto
De um desconhecido abismo escondido
Na curva retilínea de uma esquina temporal:
O Átimo.
III
Força motriz do vento,
Que em forma de tempo
Faz a erosão do átomo.
Átomo versus Átimo.
IV
Do atrito se fazem as faíscas
Que liberam a essência da existência.
Luminosas labaredas
Fragmentos retorcidos aprisionados
Pelo muro dos instantes consecutivos.
É nesse cárcere onde se desenvolve a vida:
Vivenciada no vácuo do interior de um grande átomo
Re-subdividido pela sucessiva agressão constante
De indivisíveis
Átimos.
IV-V-VI-III-II-I-II-III--III-II-I-II-III-IV-V-VI

terça-feira, agosto 31, 2004

CAFÉ DA MANHÃ


Toma-se o leite, a média, o pingado.
"Desce um café!"... Na grécia um azeite.
Amanteiga o pão quente.
O dia vai começar!

Cueca nova, meia de ontem,
Dinheiro pra hoje que pra amanhã não vai dar.
Em baixo do braço desodorante e os classificados.
Terno, gravata e camisa, é a busca do proletariado,
Personagem do desemprego massificado
Mendigando o salário que, como o crime,
Não compensa. Então,
Segue o pobre com sua sentença:
Buscar o que não há.

Ele vende, atende, limpa,
Fiscaliza, ensina,
Faz de tudo um pouco,
Trabalha feito um porco,
Mas com a força de um cavalo.
Na pata a ferradura,
E na cabeça a servidão.
Mau pago, paga com sangue.
Sangue de puro sangue
Transformado em pagaré,
Viciado em chicote.

E lá vai o baio seguindo a galope!

Puxa sua carroça pela estrada,
Seu capim é o pão e o café
Que alivia o ardor da chicotada.

CONTINUA NO ALMOÇO

quinta-feira, agosto 26, 2004

BÊBADO, FAZENDO RIMA


Há um líquido que me corre o fígado
Que me consome o sentido
Que me estraga os olhos e transfoma em belo
O feio homem em que me torno,
Quando entorno o perigo etéreo.

Há um líquido que me causa vício.
Que nas manhãs me traz suplício
E nas noites me abriga no alivio.

Há a causa do líquido em meu destino
Que me faz sair em desatino
Deixando os meus velhos passos como o de um menino
Que quer ir pra casa
Mas não sabe o caminho.

Há um líquido que me traz esperança
Que bebo por insegurança
E que se fosse sólido, alguém já dizia,
Eu comê-lo-ia.

Há um líquido que bebo na sexta
Ou em qualquer sobremesa
E só não bebo nas tetas porque nelas não o há.

Esse líquido não largo
E o copo em que habita eu hei de matar.
E é só na visse versa do final da conversa
Que eu sei: vou parar.

quarta-feira, agosto 18, 2004

SOBRE A FELICIDADE

Então,
Queres que eu te fale da felicidade?
Queres ouvir sobre o bom da vida?
Num vocabulário que te traga conforto,
Quer esquecer do mundo toda maldade?
Não lembrar que a carne se desfaz em feridas,
Enxergar um planeta redondo,
Sem ver que, de fato, é torto?

Pois bem:
A felicidade é o sol da vida, que
No horizonte, refletido no asfalto,
Se transforma no lago que você tanto busca.
Mira nele e vai!

- Me refiro ao sol, pois, quem mergulha no lago
Morde o asfalto -

Entendeu? Não? Te explico. Na prática.

Vê lá o homem que chora ao lado daquele que ri.
Vê que o que chora não chora por si.
Nem o que ri está rindo de si.
Já o que chora, chora pelo que ri,
O que ri, ri do que chora.
Porque o que chora, chora por outro,
Pelo que ri. Porque o que ri, ri de outro,
Quando deveria estar rindo de si.

Ainda não entende ou não quer entender?
Não percebe quem está aonde, mas procura.
A resposta é que o “aonde” é que está em “quem”.
Então, quem está em você?
Não entende? Procura.
Não quer? Chora.

Não quer.
Queres que eu te fale da felicidade.
Queres ouvir de mim sobre o bom da vida.
Num vocabulário que te traga conforto,
Prefere ser cego à enxergar que o planeta é torto.

segunda-feira, agosto 16, 2004

BIOGRAFIA DO COITADO

Nasce, come, cresce, bebe, fuma, cheira,
Enrola, manda, chora, suga, cheira, toma,
Pica, pega, fuma, chora, mama,
Deita, cola, cheira, chora, bebe,
Fuma, enrola, manda, cana, mama, cheira,
Passa, pipa, pega, passa, cheira, mata,
Cana, toma, senta, chora, deita, espera,
Cana, chora, reza, bebe, enrola, fuma, cava, chora,
Chama, pede, grita, reza, cava, deita, chora,
Fuma, cava, bebe, pipa, pica, toma,
Zica, coça, pega, chora, grita, reza, bebe, pica,
Passa, chora, fuma, cava, foge,
Cheira, coça, arde, grita
Chora, bebe, pede, mata, coça, arde, reza,
Chora, arde, chora, deita, reza, chora,
Coça, bebe, arde, deita, coça,
Morre.

segunda-feira, agosto 09, 2004

TENTATIVA DE VÔO

Na passarela do matrimônio
Fomos nós o casal vaiado.

Meu nome, que tu carregas,
Transformou-se no pseudônimo
Da infelicidade dos “desamados”,
Que na febre da cerimônia
Fizeram juras não pensadas,
Agora juras amaldiçoadas
E seladas com ouro.

O ouro que me aperta o dedo,
Onde guardo meu segredo,
O meu sonho fracassado de não ter feito
O que não foi: a alegria de nós dois.

Sonho e sumo. Sumo e vou.

Vou triste, sem caminho,
Sou pássaro que perdeu o ninho
E leva a vida a voar.

Com asa leve e bico duro,
Mas sem noção de norte,
Pois a ti amarei até morte,
E o que faz meu vôo forte
É o embalo dessa pena
- não a sina e sim a pena -

E até o ouro que me prende os pés,
Que me faz voar baixo, lento,
Não há de ser peso,
Pois nesse caminho sem vento,
O que me leva é teu soprar.

E se me sopras para longe de tuas asas, eu vôo.
Vôo reto, só, com cabeça de passarinho,
Voando sem destino até o dia começar,

E então acordo, no mesmo ninho, e me calo.
Não pio, me vaio.


domingo, agosto 08, 2004

A CARA DO VELHO


A cara do velho é infestada de rugas,
De linhas turvas sobre a pele espessa
Que esconde a clareza de um homem que nunca existiu.

Transpira tristeza, a cara do velho,
e envergonha o menino
Que herdou o destino
Que o velho estragou.

Vê a mãe com fome,
O irmão sem sobrenome
E olha pro velho que com um sorriso amarelo
O olha nos olhos com uma cara de pai.

A cara do velho que mora na foto
Que o menino carrega,
Repleta de fungos
O assusta pro mundo em que, sabe ele, será só...

A cara do velho é infestada de rugas,
De linhas turvas sobre a pele espessa
Que esconde a clareza do homem que um dia partiu.

quinta-feira, agosto 05, 2004

CÍCLICA ROTINA

Horas passam e transformam-se
Nas décadas que antecedem
A ausência do eu.

Passam-se vidas em devaneios tolos
E sob o Sol corpos carregam outros.
São o hoje de um novo,
Que sobrevivendo a Lua,
Virá depois.

Registros do tempo que se perderão
Entre os grãos de terra que um dia
Cegaram os olhos que se defenderam
Com lágrimas e agora, olhos vencidos,
São ilhas de ossos cercadas por nada.

Dentro, onde já latejaram as artérias das idéias,
A carne enrolada que desferiu amores e invejas,
Se tornou o alimento de parasitas microscópicos...
Não menos microscópicos que o parasita anterior.

E no silêncio abafado por terra
A vida, transformada em milênios,
Segue embalada pela mesma melodia:
A cíclica rotina.
Sol e Lua. Noite e Dia. Carne e Parasitas.

ÚLTIMAS PALAVRAS

Sussurro em seu ouvido palavras
Que nunca antes falei
Digo "te amo", "te adoro", "te quero bem".

Lamento minha faltas,
Minhas falas falsas,
Te perdôo e me desculpo
Por um erro de ninguém.

Minha recém sinceridade
Brota de minha boca, como brotam dos meus olhos
Gotas transparentes de um amor ausente.

Falo manso, ao pé do seu ouvido,
E você nem me vê,
Como até ontem eu
Nunca havia visto você.

E então te olho os olhos
Cerrados pelas pálpebras, e choro
Sobre o amor que eu não senti.

Mas é tarde pra te amar
É tarde pra falar.
Outros homens se aproximam, é tua hora de partir.
Nessa caixa escura e de madeira,
Que agora é teu lar.
...................................

quarta-feira, agosto 04, 2004

UM PONTO DA VIDA


Em algum ponto da vida uma vida te espera
Não, talvez, uma vida de sonhos,
Mas apenas uma vida.
Diferente da falta de vida que te preenche hoje.

Essa vida lhe trará sentimentos,
Não o amor, talvez sim, mas apenas talvez...
O ódio, a solidão, a paixão, a ternura,
Não todos, mas algum deles, ou um.
Talvez nenhum.

E então você vai se olhar e
Sentir que nada sentiu, nunca.
E vai sentir que viver sem sentir
Não é nada.

Você vai descobrir que é o que sente,
E se nada sente nada é.
E você nada sentiu.

Mas nesse ponto,
Se é espaço ou tempo não sei,
Você vai descobrir que tem uma vida.
Mas ela se foi e você não a viu.

A MÁSCARA


Por trás da máscara do medo
A boca fala
Abafada e sufocada
Pelo mármore da angustia
Que não te deixa respirar

O breu dos olhos aflitos
Cravejados na pedra fria
São como falsas safiras
Que se dizem raras
Mas existem em toda esquina

Esconde o frio na barriga,
O nó na garganta, a boca seca
É a máscara corroendo a carne
Se alimentando da alma.

A rua movimentada, o vizinho que espreita
A mulher que não chega, o olhar desconfiado do patrão
A solidão que não te abandona
A morte que há de te buscar
O que mais me dá medo?

Meus desejos. Meus anseios.

Longe um coração palpita.
É o medo visitando outro alguém.
Mais um que veste máscara
Cada vez mais comum.

DORME

Dentro de ti
Dorme um ente querido a mim.
Dentro de ti dorme outra parte de meu eu,
Que sei, não se tornará homem como eu.

Dorme no seu ventre,
Os restos de um amor partido,
Transformado na semente,
Do ser que não será vivido.

Então, no silêncio de suas entranhas,
Cala-se o pequeno inocente.
Ele não sabe do mundo,
Não sabe das dores, dos amores
Ele não sabe da gente

Absorto, distraído com a aorta que lhe nasce,
A aorta que há de ser-lhe arrancada
Não saberá ele o que é a vida, nunca.

Ingênuo, pensa: “Como será que serão meus pais?”.
“Não o seremos, nunca”, Respondemos.
E, absortos, nos arrependemos.

segunda-feira, agosto 02, 2004

RESTOS DE DOIS SONETOS


...cospe agora da tua boca
A gota da saliva minha
Que há de arder em tua língua.

Levanta tua trouxa de pertences, suma.
Na terra teu caminho é a rua.
Em mim o esquecimento.
--
Ah! Como é leve a liberdade!!
Livre, me entregarei em orgias,
Provarei o gosto das vinhas da maldade.
Serão as putas mais saborosas que as frias?

Saberei. Mas não provando com a língua,
Apesar das papilas pisadas por tantas salivas.
É que as feridas ardidas, fruto da tua gota exígua,
Não me deixam sentir o azedo-doce do sabor da vida...