quarta-feira, novembro 02, 2005

Às Moscas

Acreditava que moscas eram anjos. Não que tivesse alguma consciência disso, não tinha. Mas, ao contrário dos seus semelhantes, as moscas não lhe causavam aquele asco instintivo, mas sim um estado de contemplação e perplexidade. “Como não poderiam ser anjos?”, pensaria se fosse capaz de pensar. As asas, os olhos, tudo nas moscas lhe parecia divino. “Se não são anjos, são demonios.”, concluiria em seguida. Mas, não conhecendo nem anjos nem demonios, portanto incapaz de diferenciar um do outro, passou a infância sonhando ser mosca.
"Melhor que ser formiga, verdade seja dita". Mal iniciava a vida e já estava convicto disso. O tempo só fez por lhe deixar mais seguro de suas convicções. Fosse a inveja da suposta dinvidade das moscas, fosse a lógica irracional de que se fosse mosca seria divino, mas o fato é que algo realmente mudára seu intimo. Não era mais como os outros, não seria mais capaz de ser, talvez até por nunca ter sido, e mesmo que quisesse não poderia mais viver num formigueiro.

Partiu.
Sabia que as moscas voavam jardim adentro, muito alé das laranjeiras, onde ele, diariamente, recolhia folhas. Como não podia voar, decidiu caminhar. Se era capaz de caminhar incessantemente em prol da comunidade, por si caminharia muito mais. Sentiu que caminhando poderia chegar onde quisesse e, certamente, chegaria no lugar pra onde as moscas voam. O lugar que mesmo sem ter visto, já conhecia dos sonhos de infancia que, agora, naqueles dias e noites de andarilho, voltavam a lhe preencher o espirito.
Assim atrevessou a segunda metade da vida. Caminhando pra onde voavam as moscas e sonhando com a chegada. E se por um lado ele envelheceu a cada passo, por outro seu sonho permaneceu jovem, alimentado pelas moscas que, ao contrário dele, pareciam incassáveis... Então, velho e cansado, já não tinha forças pra carregar um sonho, mas sabia que naquele formigueiro distante, deixado pra trás, o sonho encontraria outro como ele, que num dia olhando as moscas no céu, sonharia ser moscas, e também como ele, partiria. Portanto já podia descançar em paz, pois, apesar de não realiza-lo, deixava o sonho amparado.

Fechou os olhos e só então percebeu o forte zumbido, mais forte do nunca antes tinha ouvido. “Hoje o céu está repleto de moscas.” pensou, agora que já tinha aprendido a pensar. Não estivesse de olhos fechados, veria que as moscas, dessa vez, não estavam no céu, e sim ali, sobrevoando em círculos um monte escremento num canto de jardim... "mas as moscas não passavam de um detalhe” pensou ainda, antes de morrer sorrindo.

4 comentários:

Anônimo disse...

Cláudio...

Se li o começo e achei bom... o desenvolvimento ficou ótimo... Amei... mas para uma opinião mais profunda voltarei para reler...

Adiantarei que vc esta indo para o lado da hermeticidade...rsrs... mas quase fabulosa... Sei que vc entendeu...

bjo.

Claudio L. disse...

Obrigado célia... entendo, sim... acho que tive um momento fábula, verdade seja dita acho que falo moscas demais no texto, depois eu dois uma limpada... valeu ter vindo ler. beijoa.

nobody disse...

Diria que além de fábula, escreveu uma alegoria... Afinal a vida de muito Homem não é assim mesmo?

Anônimo disse...

ADOREI!